segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Como Não Cometer Idolatria ao Dar Graças

Por John Piper

Jonathan Edwards tem uma palavra para o nosso tempo, que dificilmente seria mais penetrante se ele estivesse vivo hoje. Tem a ver com o fundamento da gratidão.
A verdadeira gratidão ou agradecimento a Deus, por sua bondade para conosco, surge de um fundamento lançado antes: amar a Deus pelo que Ele é em si mesmo; enquanto a gratidão natural não tem tal fundamento antecedente. As comoções graciosas de afeição grata para com Deus, pela bondade recebida, sempre procedem de um estoque de amor já presente no coração, estabelecido em primeiro lugar sobre outro fundamento, a saber, a própria excelência de Deus.1
Em outras palavras, a gratidão que agrada a Deus não é, em primeiro plano, um deleite nos benefícios dados por Deus (embora isso faça parte dela). A verdadeira gratidão deve estar enraizada em algo que vem antes, isto é, um deleite na beleza e na excelência do caráter de Deus. Se isto não for o fundamento de nossa gratidão, então não está acima do que o “homem natural” — sem o Espírito e a nova natureza em Cristo — experimenta. Nesse caso, a “gratidão” a Deus não Lhe é mais agradável do que todas as outras emoções que os incrédulos têm sem deleitarem-se nele.
Você não seria honrado se eu lhe agradecesse freqüentemente pelos seus dons para comigo, mas não tivesse consideração espontânea e profunda por você como pessoa. Você se sentiria insultado, não importando o quanto eu lhe agradecesse por seus dons. Se o seu caráter e personalidade não me atraíssem, nem me dessem alegria de estar na sua presença, você se sentiria usado, como uma ferramenta ou uma máquina para produzir as coisas que eu realmente amo.
O mesmo acontece com Deus. Se não somos atraídos por Sua personalidade e caráter, todas as nossas declarações de gratidão são como a gratidão de uma esposa ao marido pelo dinheiro que ela recebe dele para usar em seu relacionamento com outro homem. Esta é exatamente a figura apresentada em Tiago 4:3-4. Tiago critica os motivos da oração que trata a Deus como um marido de adúltera: “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus”. Por que ele chama essas pessoas que oravam de adúlteras? Porque, embora estivessem orando, estavam abandonando seu marido (Deus) e indo atrás de um amante (o mundo). E para piorar as coisas, estavam pedindo a seu marido (em oração) que financiasse o adultério.
Surpreendentemente, esta mesma dinâmica espiritual deficiente é verdadeira, às vezes, quando as pessoas agradecem a Deus por ter mandado Cristo para morrer por elas. Talvez você já tenha ouvido alguém dizer o quanto devemos ser gratos pela morte de Cristo, porque ela nos mostra o grande valor que Deus nos deu. Qual é o fundamento desta gratidão?
Jonathan Edwards chama isso de gratidão de hipócritas. Por quê? Porque, primeiro eles se regozijam e se elevam com o fato de que são muito estimados por Deus; e então, sobre esse fundamento, Deus lhes parece de certa forma amável… Eles se alegram no mais alto grau em ouvir o quanto Deus e Cristo os estima. Portanto, o gozo deles é na verdade um gozo em si mesmos, e não em Deus.2
É chocante descobrir que uma das descrições mais comuns, hoje, sobre como responder à cruz, pode ser uma descrição de amor natural por si mesmo, sem qualquer valor espiritual.
Faremos bem em dar ouvidos a Jonathan Edwards. Ele não estava apenas nos explicando a verdade bíblica de que devemos fazer todas as coisas, incluindo dar graças, para a glória da Deus (Coríntios 10:31)? E Deus não é glorificado se o fundamento da nossa gratidão é o valor do dom, e não a excelência do Doador. Se a gratidão não está enraizada na beleza de Deus antes do dom, ela provavelmente é uma idolatria disfarçada. Que Deus nos conceda um coração que se deleite nele por aquilo que Ele é, para que toda a nossa gratidão por seus dons seja o eco da alegria na excelência do Doador!

Notas

1. Jonathan Edwards, Religious Affections, The Works of Jonathan Edwards, Vol. 2, New Haven: Yale University Press, 1959, orig. 1746, p.247.

2. Jonathan Edwards, Religious Affections, pp. 250-251.

Retirado do site desiringgod.org: 
http://www.desiringgod.org/resource-library/articles/how-not-to-commit-idolatry-in-giving-thanks?lang=pt

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A Santidade é o Princípio Chave

por João Calvino


  1. O plano das Escrituras para a vida de um cristão é duplo. Primeiro, que sejamos instruídos na Lei para amar a retidão, porque por natureza não estamos inclinados a fazê-lo; segundo, que aprendamos umas regras fáceis mas importantes, de modo que não desfaleçamos nem nos debilitemos em nosso caminhar. Das muitas recomendações excelentes que faz a Escritura, não há nenhuma melhor do que este princípio: "Sede santos porque Eu sou Santo". Quando andávamos espalhados como ovelhas sem pastor, e perdidos no labirinto do mundo, Cristo nos chamou e nos reuniu para que pudéssemos voltar a Ele.
  2. Ao ouvir qualquer menção de nossa união mística com Cristo, deveríamos recordar que o único meio para consegui-la é a santidade. A santidade não é um mérito por meio do qual podemos obter comunhão com Deus, mas um dom de Cristo, o qual nos capacita para estarmos unidos a Ele e a seguir-lhe. É a própria glória de Deus que não pode ter nada a ver com a iniquidade e a impureza; portanto, se queremos prestar atenção ao Seu convite, é imprescindível que tenhamos este princípio sempre presente. Se no transcurso de nossa vida cristã queremos seguir aderidos aos princípios mundanos, para quê, então, fomos resgatados da iniquidade e da contaminação do mundo? Se desejamos pertencer ao Seu povo, a santidade do Senhor nos admoesta a que vivamos na Jerusalém Santa de Deus. Jerusalém é uma terra santa, portanto não pode ser profanada por habitantes de conduta impura. O salmista disse: "Senhor, quem habitará em teu tabernáculo? Quem morará no teu monte santo? Aquele que anda em integridade e faz justiça, e fala a verdade em seu coração." O santuário do Santíssimo deve manter-se imaculado. Ver Lv. 19.2, 1Pe 1.16, Is 35.10, Sl 15:1-2 e 24.3-4

(Tradução livre a partir do livro "O libro de oro de la Verdadera Vida Cristiana" de Grandes Clásicos Cristianos.)
Descrição: Publicado em 1550 em latim e francês, com o título De Vita Hominis Christianiti, e traduzida em diferentes idiomas a longo das gerações, esta obra de João Calvino é um dos clássicos devocionais da literatura protestante, junto com a imitação de Cristo de Kempis e o Manual de Reforma Interior de Gerald Zerbolt. Não obstante, a obra de Calvino adota um enfoque distinto ao focar-se, de uma maneira especial, nos aspectos eminentemente práticos da vida cristã, tomando assim a linha mais realista manifestada por Jesus Cristo mesmo: Não rogo que os tires do mundo, mas que os livres do mal (Jo 17.15). Podemos afirmar, pois, que o Livro de Ouro da Verdadeira Vida Cristã contêm em sua essência todo o gênio da Reforma, no que concerne a consolar o coração, inspirar a mente e fortalecer a vontade.

domingo, 13 de outubro de 2013

A Escritura é a Regra da Vida

por João Calvino

  1. A meta da nova vida em Cristo é que os filhos de Deus exibam a "melodia e harmonia" de Deus em sua conduta. Que melodia? A canção do Deus de Justiça. Que harmonia? A harmonia entre a justiça de Deus e a nossa obediência. Somente andando na maravilhosa lei de Deus podemos estar seguros de nossa adoção como filhos do Pai. A lei de Deus contêm em si mesma a dinâmica da nova vida por meio da qual Deus restaura Sua imagem em nós; mas devido a sermos, por natureza, preguiçosos e negligentes,  necessitamos, portanto, da ajuda e do estímulo de um princípio que nos guie em nossos esforços. Um sincero arrependimento de coração não garantirá que não nos desviemos do caminho reto. E mais, muitas vezes nos encontramos perplexos e desconcertados. Busquemos, pois, nas Escrituras o princípio fundamental para reformar e orientar nossa vida.
  2. A Escritura contêm um grande número de exortações e, para tratar com todas elas, necessitaríamos de um grande volume. Os pais da igreja têm escrito grandes obras sobre as virtudes que são necessárias na vida cristã. São escritos de um significado tão valioso que nem os eruditos mais hábeis poderiam esgotar as profundidades de uma só virtude. Entretanto, para uma devoção pura, não é necessário ler as excelentes obras dos pais da igreja, mas entender somente a regra básica da Bíblia. 1
  3. Ninguém deveria concluir que a brevidade de um tratado sobre a conduta cristã faz que os escritos elaborados de outras pessoas seja supérfluos ou que sua filosofia tenha pouco val, os filósofos estão acostumados a falar dos princípios gerais e de regras específicas, mas a Escritura tem a sua ordem própria. Os filósofos são ambiciosos e, por conseguinte, apontam a uma esquisita claridade e uma hábil ingenuidade; mas as Escrituras têm uma formosa precisão e uma certeza que sobrepassa a todos os filósofos. Os filósofos a princípio fazem demonstrações comovedoras, mas o Espírito Santo tem um método diferente (direto, fácil e inteligível), no qual nada deve ser subestimado. 2
 1. Aqui, Calvino insere: "Não sou a pessoa certa para escrever copiosamente, já que amo ser sucinto. É provável que eu tente isso no futuro; de todas as formas, deixarei esta tarefa a outros."
2. Evidentemente Calvino está pensando aqui em 1 Co 1.3

(Tradução livre a partir do livro "O libro de oro de la Verdadera Vida Cristiana" de Grandes Clásicos Cristianos.)
Descrição: Publicado em 1550 em latim e francês, com o título De Vita Hominis Christianiti, e traduzida em diferentes idiomas a longo das gerações, esta obra de João Calvino é um dos clássicos devocionais da literatura protestante, junto com a imitação de Cristo de Kempis e o Manual de Reforma Interior de Gerald Zerbolt. Não obstante, a obra de Calvino adota um enfoque distinto ao focar-se, de uma maneira especial, nos aspectos eminentemente práticos da vida cristã, tomando assim a linha mais realista manifestada por Jesus Cristo mesmo: Não rogo que os tires do mundo, mas que os livres do mal (Jo 17.15). Podemos afirmar, pois, que o Livro de Ouro da Verdadeira Vida Cristã contêm em sua essência todo o gênio da Reforma, no que concerne a consolar o coração, inspirar a mente e fortalecer a vontade.